Apresentação do Eclipse da Razão

Festival / performance de Arte e Ciência Espacial no Planetário de São Paulo, Parque Ibirapuera, durante o Eclipse Lunar Total do dia 20 de janeiro de 2019.

O evento contou com a presença de 35 artistas numa programação de 16 horas contínuas de performances, projeções, astrofísica, música, performances audiovisuais, filosofia, tarot, espetáculo de mágica, sarau poético, artes visuais.

um ritual espacial de música, imagem, poesia e artes adivinhatórias nos embates lunares do claro e escuro.

Na madrugada do dia 21 de janeiro de 2019, ocorreu um eclipse lunar total, a Lua de Sangue. Este eclipse é chamado assim devido ao tom avermelhado da sombra que a Terra projeta na Lua. Coincidiu, ainda, com uma Superlua, nome dado a uma Lua Cheia no ponto mais próximo da Terra, quando sua superfície fica 14% maior e 30% mais brilhante do que no apogeu (durante a Micro Lua). A última vez que tal coincidência aconteceu foi em 31 de janeiro de 2018, e a próxima ocorrerá somente no dia 26 de maio de 2021.

Na astronomia, o eclipse é um evento astronômico que ocorre quando a posição de um objeto celeste em trânsito lança sombra sobre outro, mais distante. No grego, "ékleipsis" era o termo designado para o desmaio, desfalecimento e abandono.

Eclipses solares ou lunares sempre geraram grande interesse nas pessoas, em parte devido aos profundos apelos místicos que esses fenômenos astronômicos despertam e em parte por sua beleza extraordinária. Popularmente, foram atribuídas aos eclipses a ocorrência de catástrofes naturais, como furacões, terremotos, pestes, e até mesmo tragédias humanas, como guerras, conflitos e insurreições. Claro, também são inúmeros os mitos, rituais, celebrações e rezas que se associam ao eclipse.

Uma das mais célebres descrições de um eclipse encontra-se na Bíblia, no Gênesis, o qual se supõe que tenha ocorrido em 9 de maio de 1533 A.C.

Por outro lado, os eclipses fazem parte da ciência desde sua origem, como atesta o ciclo de Saros, uma tabela de cálculo desenvolvida há mais de 2500 anos na Babilônia para prevê-los e que tem sido usada até hoje como um meio para manter os calendários ajustados. Nessa tabela, o eclipse de janeiro de 2019 foi o 27º da 134ª série, onde cada série contou com 73 eclipses.

Os eclipses foram decisivos para a compreensão do Universo, como na descoberta do Hélio, na prova da Teoria da Relatividade de Einstein e mesmo na demonstração de que a Terra é esférica, feita por Aristóteles em 384-322 a.C.

Assim, ao longo da história, entre realidade e ficção, os eclipses desempenharam um papel importante no imaginário humano e têm gerado uma infinidade de exemplos em diferentes áreas da cultura. São incontáveis poemas, músicas, peças de teatro, literatura e filosofia que tomam o eclipse como tema. Um dos exemplos notáveis - e que inspira esta nossa ação - foi o livro "Eclipse da Razão", pelo qual, em meados da década de 1940, o filósofo alemão Max Horkheimer questionou como evitar que a barbárie, representada pelo nazifascismo e então recentemente derrotada na Europa, retornasse ao Ocidente. Para ele, o avanço dos meios técnicos de produção foi acompanhado por um processo de desumanização, de modo que o progresso ameaça anular o próprio objetivo que deveria realizar: a ideia do humano.

Coincidentemente, a esse momento raro da astronomia, em 2019, no Brasil, iniciava-se o Governo Bolsonaro. Um momento político decisivo da nossa história, quando ameaças aos direitos humanos e retrocessos ambientais se uniam a teorias conspiratórias que negavam conquistas da ciência resultantes do Iluminismo, em um retrocesso de mais de 500 anos. Assim, em plena Era da Informação, observamos o retorno de ideias fascistas aliadas a teorias como o terraplanismo, o criacionismo e a negação do aquecimento global. Teorias que procuravam recolocar o ser humano no centro do universo, um sujeito descolado e usurpador da Natureza, branco, heteronormativo, conservador e supremacista, orientando o destino do país a partir de sua teologia cristã fundamentalista.

Podemos argumentar que na nossa sociedade tecnocrata moderna, com seus céus poluídos de fuligem e iluminação artificial, os eclipses pouco podem agregar aos destinos políticos ou aos novos estudos da cosmologia. No entanto, ao menos poeticamente, os eclipses são capazes de promover uma suspensão momentânea da rotina, momentos de "extraordinária visão". Através deles, podemos evidenciar nossas reflexões, desejos e sonhos, tentando assim revelar aspectos da sociedade contemporânea, questões políticas e sócio-ambientais que se encontram ofuscados.

Pensando nas possibilidades que esse momento mágico nos ofereceu e no momento em que a sociedade brasileira vivia, concebemos uma obra que uniu o conceito de performance a um festival, reunindo astrônomos, poetas, músicos, artistas e adivinhos em performances, música espacial, poesia, filosofia, astronomia, hipnose, festa e conversas para espantar o Anhã (a onça) e evitar que ele devore Jaxy (a Lua), o curumim traquina e inconsequente que ousou brincar com o mal.

Essa obra, como uma longa performance, articula uma série de diversos autores e diversas obras, atingindo seu ápice quando o eclipse, projetado no chafariz do Lago do Ibirapuera, atinge a totalidade. Nesse momento da sombra de sangue, em uma sessão de hipnose coletiva feita em voluntários, metade deles desaprende a própria língua e a comunicação com a outra metade se torna impossível: O Eclipse da Razão.

É um desmaio estético, uma inflexão no tempo; promovendo o confronto entre o passado e o futuro para criar novos caminhos, pois o eclipsar não é um apagar-se: o que se interpôs à luz em seguida terá ido embora, deixando a luz retornar em um novo Tempo, que no futuro invariavelmente voltará a ser desafiado. Assim são os ciclos celestes.

“A Espaçonave Terra foi tão extraordinariamente bem criada e projetada que,
ao que sabemos, o ser humano tem estado a bordo dela por dois milhões
de anos, sem ao menos saber que estava a bordo de uma nave.”

(Manual de Instruções para a Nave Espacial Terra)
Buckminster Fuller

Núcleo Autônomo de Viagens Espaciais (N.A.V.E) foi um grupo autônomo e transdisciplinar de artistas, produtores e pesquisadores que ocupou as instalações do Planetário de São Paulo durante janeiro de 2019 com o objetivo central de promover ações e reflexões através da interação ciência e arte.

DIREÇÃO
Eduardo Duwe
Demétrio Portugal

PRODUÇÃO
Eduardo Duwe
Demétrio Portugal
Catharine Rodrigues

ENGENHARIA DE ÁUDIO
Clement Zular

FOTOGRAFIA
Vic Van Poser
Patricia Mattos

VÍDEO
Eduardo Duwe

DESIGN GRÁFICO E EDIÇÃO DE VÍDEO
Catharine Rodrigues

APOIO INSTITUCIONAL
Prefeitura da Cidade de São Paulo
Secretaria do Verde
UMAPAZ - Viveiro Manequinho Lopes
Planetário do Ibirapuera Aristóteles Orsini

PARCERIAS
Córrego Editora
AVXLab
Condomínio Cultural - Condô
PanAroma - Studio de Música Eletroacústica da UNESP
Tenonderã Ayvu - Coletivo de arte e política indígena

APOIO
ON Projeções - Equipamentos Visuais
Nômade Filmes